Claudio de Moura Castro

 

Que benefícios traz o ensino superior para uma sociedade? A pergunta parece ter uma resposta óbvia. Acredita-se haver ganhos para os países que fazem avançar o seu ensino superior. É mais ou menos isso, mas tal resposta simplifica demais o assunto, escondendo pontos nebulosos ou negligenciados.

O presente ensaio é uma tentativa de tratar a matéria com mais precisão, nuances e qualificações. Ainda assim, as limitações de espaço nos obrigam a passar por cima de muitas complicações.

Em primeiro lugar, parece razoável pensar que ensino superior não é como um litro de gasolina, sempre igual em qualquer bomba. De fato, há diferenças dramáticas de qualidade. O impacto de um ensino ótimo deve ser diferente daquele que se pode esperar de um outro medíocre ou horrível. Sendo assim, há que se começar perguntando o que traz excelência para o ensino superior.

Em segundo lugar, consideremos o impacto de ter mais gente completando cursos de graduação.  Ou então, fazendo mestrados ou doutorados, com a pesquisa que deveria vir junto.

Em terceiro lugar, há que se considerar o ativismo político daqueles ligados às instituições de ensino superior, sejam alunos ou professores. Como veremos, não podemos subestimar sua importância. Até certo ponto, agem como o superego da sociedade, o que é mais do que bem-vindo. Mas nem sempre esposam boas causas.

Finalmente, a forte presença das ideologias políticas e econômicas, afetando profundamente o funcionamento das próprias instituições de ensino. Na prática, dificultam reformas necessárias. Em boa medida, mudanças que em uma outra organização seria um assunto tratado pragmaticamente, nas universidades, converte-se em uma cruzada ideológica – contra ou a favor. Tornam-se assim, muito mais refratárias às mudanças.

Em outras palavras, das portas para fora, é a voz eloquente do protesto, até exortando a revolução. Das portas para dentro,  soam as forças conservadoras, bloqueando as reformas necessárias.

 

As raízes da excelência

Que fatores militam para tornar melhores as instituições de nível superior? Comecemos com os  falsos caminhos, ou seja, causas que pareceriam relevantes, mas não o são.

“Universidade” ou algum outro nome menos imponente?

Há instituições que se intitulam universidades, outras são faculdades ou institutos. A palavra “universidade” foi ungida aos píncaros do status e os seus “súditos” enchem o peito para identificá-las como a fonte suprema e única do pensamento criativo e da pesquisa.

Em países como o Brasil, foram criadas barreiras administrativas, exigindo isso ou aquilo para usar esse nome. E concedem-se privilégios a quem foi alçado a esse Olimpo do ensino superior.

Mas na prática, não é bem assim, a dois quilômetros uma da outra, Harvard é Universidade e o MIT não o é. Carnegie Mellon é, Caltech não é. IME e ITA são as melhores escolas de engenharia do Brasil, sendo ambos “institutos”. A Fundação Getúlio Vargas lidera nas áreas de negócios. O mesmo prestígio tem o INSPER e a ESPM. No México, ninguém entende que o Colégio de México seja menos respeitável do que as universidades.

Em outras palavras, não percamos tempo com cacoetes semânticos. O título da instituição nada tem a ver com a sua excelência. Diante disso, por facilidade linguística, usamos indisciplinadamente o termo “universidade”, como sinônimo de ensino superior.

Como os vinhos, as universidades amadurecem com o passar dos anos?

A metáfora é boa, mas apenas se reinterpretada de forma diferente. Ao amadurecer um par de anos, melhora algo um vinho comum (vin ordinaire, diriam os franceses). Mais envelhecimento, estaciona e, logo, começa a piorar. Assim são as universidades. Precisam de alguns poucos anos para se organizarem melhor. Daí para frente, ou estagnam ou regridem.

No que diz respeito à pesquisa de qualidade, as universidades são como os vinhos Romanée Conti ou Chateau Margaux. Levam bem mais tempo para desabrocharem plenamente. Mas como a pesquisa é pouco encontradiça nas universidades, continuar melhorando com o tempo é caso raro.

Se idade contasse tanto, a Universidade de Santo Domingo, oficialmente fundada em 1535, seria melhor do que a USP, criada na década de trinta. De fato, esta última é, ao mesmo tempo, uma das universidades de primeira linha mais recentes na América Latina e o primeiro lugar recorrente nas avaliações do Times.

Ou seja, esqueçamos idade como fonte de excelência.

 

Privadas ou públicas: onde está a excelência?

A geografia é inexorável. Mesmo quando ali as públicas podem ser as melhores, acolá, serão as privadas. Na prática, é ainda mais embaralhado. Na maioria dos países, há públicas e privadas excelentes, tanto quanto execráveis. E também, departamentos de superlativo desempenho, no mesmo prédio que outros, cujas justificativas para continuar a existir são duvidosas.

Dependendo do país, as privadas podem ser as melhores, como acontece na Colômbia. Ou, podem ser as públicas. Já no Chile, das duas melhores, uma é privada e a outra pública.

O caso do Brasil é muito instrutivo, em virtude da existência de uma prova (ENADE) aplicada aos alunos de todas as instituições de nível superior, pouco antes de terminarem os seus cursos. Isso permite gerar uma métrica bastante precisa do nível de aprendizado dos alunos.

Fica claro, a distribuição de escores das públicas e das privadas têm uma notável superposição. A média das públicas é um pouquinho mais elevada, mas não muito. A maior diferença é que, dentre as públicas, há um número superior de cursos de maior pontuação. Dentre as piores, tanto há públicas quanto privadas.

Em suma, outro falso positivo. Ser pública ou privada não permite antecipar a qualidade.

Serão os cursos à distância um prêmio de consolação?

Embora tenham sido criados logo após a invenção do selo de correio – na primeira metade do século XIX – os cursos feitos à distância sempre tiveram um status mais baixo e foram objeto de forte preconceito.

Mesmo no Brasil de hoje, algumas associações profissionais tentam repudiar os diplomas obtidos em cursos à distância. Mas, dada a existência dos exames de saída dos cursos superiores, é possível comparar o desempenho dos cursos presenciais com os à distância. Ao arrepio do consenso, não há diferenças significativas entre os escores de ambos os grupos. Pode ser um pouquinho mais alto ou mais baixo para esse ou aquele grupo ou carreira. Mas no todo, as diferenças são ínfimas

A deserção tende a ser mais alta, por requererem mais disciplina individual para completar o curso – o que prejudica os alunos oriundos de escolas públicas. Mas quem consegue se formar, está igualmente bem – ou mal – preparado.

Naturalmente, no topo da pirâmide da excelência não há cursos à distância. Tampouco há cursos de medicina ou dança.

Passemos agora aos fatores que, de fato, se associam à excelência.

 

A qualidade da Educação Básica

Tomamos como hipótese que a mediocridade do ensino básico, em toda a América Latina, é um forte determinante da posição relativamente modesta em que se encontra a maioria de suas universidades. Se a matéria prima é ruim, o produto não pode ser bom.

Não obstante, podemos propor que uma sociedade com educação fraca – como são todas as nossas – não está condenada a ter apenas universidades medíocres. De fato, na cauda direita da distribuição de habilidades acadêmicas sempre há um grupo suficientemente bem preparado para se beneficiar de um ensino exigente e ambicioso.

Pesquisas feitas no Brasil (por este autor e outro colega) mostraram que da ordem de 80% do rendimento dos graduados no teste do ENADE é explicado pelo nível dos alunos ao entrarem no seu curso superior. Daí, quem atrai os poucos bons alunos, quase automaticamente, produz graduados mais bem formados.

Não fora assim, como poderiam alguma das nossas universidades sequer aparecer no ranking do Times?

O que é impossível é ter por nossas bandas um grande número de universidades de excelência, como parece ser o caso na Alemanha. Simplesmente, aqui não há um número suficiente de alunos bem preparados para permitir a todas galgar os mesmos níveis. O resultado é uma enorme diferença entre as melhores e as outras. Igualmente, dentro de cada uma, é grande a distância entre os cursos mais prestigiosos (medicina, engenharia) e os menos.  A razão é simples, os alunos mais talentosos escolhem programas prestigiosos e difíceis de entrar.

Nesse momento, vale a pena enfatizar um tema pouco tratado, seja na literatura técnica, seja nas políticas educativas. Comecemos pela consideração de que se antes pairavam dúvidas quanto a baixa qualidade do ensino latino-americano, testes como o PISA explodiram as ilusões. É ruim mesmo.

A política correta seria investir pesadamente na melhoria da educação básica. É difícil discordar desta afirmativa. Contudo, isso tem se revelado árduo ou nada palatável para quem tem quem toma decisões.  Diante desse fato pouco auspicioso, surge uma tendência invencível para oferecer mais ensino superior: Se não aprendeu em doze anos, mais quatro devem resolver o problema. Em outras palavras, o ensino superior substitui uma melhoria no básico.

Reforçando essa linha, o diploma superior é glorificado pelas autoridades educacionais, como se fora o objetivo de todos. São criados incentivos materiais e simbólicos à frequência a esses cursos.  Isso tem um sério impacto negativo nos cursos técnicos e nas graduações mais curtas.

Talvez seja esse o argumento mais ácido contra a expansão da matrícula no superior. Note-se que, nos Estados Unidos e Europa, há mais graduados de carreiras curtas do que nos cursos tradicionais de quatro ou cinco anos. Além disso uma boa proporção da coorte frequenta cursos profissionalizantes em paralelo aos currículos acadêmicos de nível médio.

 

Dinamismo da economia e massa crítica de talentos

Quando perguntamos onde estão as universidades que alcançam maiores pontuações nos rankings internacionais, vemos um padrão bastante claro.

Centros dinâmicos e onde há massa crítica de talentos produzem instituições de desempenho superior. Em meados do século XX, com sua pujante economia, Buenos Aires, produziu três prêmios Nobel.

Nos dias de hoje, Buenos Aires, São Paulo, Santiago, Bogotá e a cidade do México dominam a cena. Não por acaso, são centros borbulhantes, seja na economia, seja no mundo intelectual. No Brasil, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre não estão longe do topo. São todas cidades com boa tradição de ensino de qualidade e com ampla população.

Fora de cidades de considerável importância, não conseguimos identificar instituições com liderança nacional. Não encontramos universidades que chamem a atenção e que sejam situadas em localidades pequenas ou de pouco protagonismo econômico.

O espantoso crescimento do Centro-Oeste brasileiro atende a uma condição necessária: riqueza e ebulição econômica. Mas o povoamento recentíssimo priva a região de um repositório de talentos intelectuais e tradição de ensino de qualidade. Na verdade, até recentemente, não havia ensino porque não havia alunos a serem ensinados.

Porém, é preciso também identificar um caso particular de instituições de excelência e que são localizadas em cidades relativamente pobres ou inexpressivas. Na verdade, são transplantes dos grandes centros. Alunos e professores são trazidos de outras regiões mais prósperas para operar fisicamente em meio a um deserto intelectual. Na prática, funcionam. Mas não podem ser consideradas exceções à regra aqui proposta.

O primeiro conjunto de exemplos históricos desse naipe são os Land Grant Colleges americanos, criados em áreas rurais. Mas como sugerido, transplantaram tudo dos grandes centros. A Universidade de Viçosa, em Minas Gerais, é um exemplo semelhante. E não por acaso, teve forte influência americana na sua criação.

Em suma, o dinamismo e a concentração de talentos parecem explicar a presença de universidades que se destacam das outras. A USP não é a melhor em virtude de alguma fórmula mágica, mas mercê do extraordinário dinamismo da economia paulista. De fato, no momento de sua fundação, foi a riqueza do café que permitiu importar um grande número de excelentes cientistas da França, Alemanha e da Itália.

 

Apenas fortes lideranças criam boas instituições

Finalmente, cabe lembrar que dinheiro, per se, não cria instituições de qualidade. Não há dúvidas, recursos são uma condição necessária. Mas boas instituições são o fruto de fermentos intelectuais e lideranças ousadas. Não são comitês bolorentos que tomam tais decisões e levam à frente o projeto.

D. Pedro II envolveu-se pessoalmente em uma longa batalha com a burocracia do Império, para conseguir criar a Escola de Minas de Ouro Preto. Júlio de Mesquita e Armando Salles criaram a Universidade de São Paulo, logo após a derrota do estado para as forças federais. Zeferino Vaz, sozinho, alavancou a criação da Unicamp. Anísio Teixeira e outros ajudaram a criar o clima que gerou a decisão de abrir uma grande universidade federal em cada estado. Darcy Ribeiro teve forte liderança na criação da Universidade Federal de Brasília.

 

A expansão nas matrículas traz desenvolvimento econômico?

Um século de prosperidade na Argentina permitiu um crescimento considerável do seu ensino superior. Em outras palavras, o nível presente de matrícula é o resultado de um processo lento e contínuo, ao longo de muitas décadas.

O caso do Brasil está no extremo oposto. Quando esse autor frequentava a sua faculdade (nos fins da década de cinquenta) tinha cinquenta mil colegas universitários. Hoje, são mais de 8,5 milhões de matriculados no superior.

A pergunta que se impõe é muito simples: adianta para a prosperidade econômica inundar o mercado de trabalho com diplomados de ensino superior? Em outras palavras, a correria brasileira para matricular gente nesse nível faz sentido?

Infelizmente, a resposta não é simples, embora encontre-se um mínimo de consenso dentre os que estudam o tema com alguma serenidade.

A primeira observação, totalmente concreta e indisputável, é que os graduados do superior têm rendimentos pessoais muito mais elevados do que os graduados do ensino médio. Dados recentes para o Brasil mostram que o diploma superior multiplica a renda pessoal por 2,5.

Em outras palavras, para quem faz o curso superior, o benefício é tangível, altamente provável e elevado. A despeito dos murmúrios acerca do excesso de graduados, da falta de bons empregos para eles e outros argumentos apresentados em tons emotivos, não há como negar que é impecavelmente racional o esforço de cursar a universidade. Ademais, a taxa de desemprego é substancialmente menor.

Pesquisas empíricas sérias nos permitem hoje confirmar o que mostrava o bom senso. Quem cursa a universidade tem valores, aspirações e atitudes mais próximas daquelas associadas à modernidade e semelhantes aos traços observados em sociedades mais avançadas. A fertilidade é menor. A propensão a comportamentos antissociais é maior. Valorizar o futuro e abrir mão de satisfações presentes é mais comum dentre os graduados de curso superior. Considerar o bem-estar dos seus concidadãos é também um traço observado.

A pergunta difícil de responder é qual a contribuição desses graduados para o avanço da economia. A Teoria do Capital Humano sempre proclamou que educação promove o desenvolvimento. Muitas centenas de estudos foram realizados nessa linha. Em grande medida, parecem confirmar a hipótese. De fato, sempre se encontram fortes associações entre crescimento econômico e ensino superior. Mas metodologicamente, tais estudos ficam um pouco aquém de demonstrar a tese de forma contundente.

Ademais, a observação de casos reais não nos permite um nível totalmente satisfatório de conforto com esta tese. Países como a Rússia e Argentina tiveram retrocessos econômicos em meio a fortes investimentos em capital humano. A produtividade brasileira está estagnada, há anos, apesar do crescimento explosivo dos graduados em cursos superiores. Dizendo de outra forma, o Capital Social é promovido pelos estudos superiores.

Para dar mais sentido a estas ideias, parece razoável falar do que são condições necessárias e daquelas suficientes.

Em primeiro lugar, educação é condição necessária para o crescimento de uma economia moderna. De fato, esta exige um alto nível de incorporação tecnológica. Antes da Revolução Industrial, educação quase nada tinha a ver com a produtividade nas fábricas ou na agricultura. Nos dias de hoje, é difícil imaginar que uma economia possa ser eficiente sem que a força de trabalho domine códigos linguísticos, ciências e matemática.

A mera observação registra mudanças notáveis nas cidades do interior quando começam a chegar mais e mais graduados de cursos superiores. O grande salto de São Paulo tem sido atribuído à criação da Escola de Direito do Largo São Francisco, já na primeira metade do século XIX.

Naturalmente, entra em cena um outro complicador que é a qualidade desta educação. Se é um conhecimento livresco, baseado na memorização de fatos, datas ou leis, seu impacto será bem menor do que o de uma educação que permita pensar corretamente, analisar problemas, entender a lógica dos processos e dominar tecnologias produtivas.

Dada a fraca qualidade do nosso ensino superior, pairam dúvidas quanto à sua eficácia. Ainda assim, estamos pensando na sua contribuição, diante do nível ainda mais precário com que se formaram esses alunos no ensino médio. Dito de outra forma, não podemos subestimar o impacto positivo de quatro anos a mais nos bancos escolares. As faculdades podem ser ruins, mas estão sendo comparadas com o péssimo ensino médio.

O outro lado do tema é que educação não é condição suficiente para o crescimento. Se a economia perde o rumo ou se a política azeda, não há cura que possa vir da educação, mesmo que seja excelente. A mesma Argentina e Rússia, já foram citadas. Seu crescimento estancou, diante dos problemas políticos e econômicos. O Brasil dos últimos anos vive turbulências políticas cujo impacto na economia é inevitável. Portanto, a educação não tira o país do buraco. O que faz é ajudar no crescimento, se o resto está sadio.

Outra maneira de formular a mesma ideia é pensar que, na área social, princípios como os proclamados pela Teoria do Capital devem ser interpretados de forma diferente. Faz muito mais sentido dizer que a escolaridade aumenta a probabilidade de crescimento. Mas isso não acontece em todos os casos.

 

A formação de lideranças intelectuais

Um prega pregos, outro manda em quem prega pregos. Mas acima deles todos, há pessoas que lideram. Podem comandar empresas, podem produzir pesquisas que permitem entender o mundo, podem criar inovações que aumentam a produtividade ou podem liderar na política.

É muito grande a responsabilidade dos que estão no topo. Se erram, estarão conduzindo todos na direção equivocada ou não conduzindo a lugar algum. Se são líderes excepcionais, empurram para frente a sociedade.

Nos últimos séculos, as universidades tiveram um papel preponderante na preparação destas elites de homens de negócios, cientistas e lideranças políticas. Raramente sobem à Presidência pessoas que não frequentaram universidades sérias. E ainda mais raro é que se destaquem sem essas credenciais acadêmicas.

Sendo assim, dispor de instituições que possam ser incubadoras destas futuras lideranças não pode deixar de ser uma preocupação legítima em qualquer sociedade. Nos países avançados, sempre houve instituições que tiveram esse papel. Oxford e Cambridge na Inglaterra. Harvard, Yale e Princeton, desde muito tempo, fizeram isso nos Estados Unidos. As Grandes Écoles francesas têm oficialmente esse papel.

Por razões que não cabe aqui especular, a América Latina não teve e não tem programas de graduação que possam realizar a contento tarefas equivalentes. Mesmo seus melhores cursos tendem a ser bastante fracos. Até certo ponto, tal deficiência era superada pelo envio dos melhores alunos (ou os mais ricos) para estudarem nos grandes centros.

Se queremos boas lideranças, é mister criar excelentes universidades. Isso significa criar programas para preparar os professores. E tais programas têm como parte integrante a pesquisa e espaços de pensamento e reflexão criativa. Portanto, produzem tanto uma formação séria quanto a pesquisa. Na prática, são cursos muito caros e que tem dois produtos. Sendo assim, para julgar seus méritos, devemos considerar um leque de resultados. Consideremos então os dois lados da equação.

No pós-guerra, começa a tomar corpo o esforço de criar instituições de primeira linha. Restrinjo-me ao caso brasileiro, que conheço melhor, apesar de não ser o único. E o caminho inevitável passa pela pós-graduação, pois boas instituições se fazem com professores superlativamente bem preparados. Portanto, tudo tem que começar formando os futuros quadros docentes.

Note-se que, na década de cinquenta, um levantamento mostrou que não havia um só autor brasileiro assinando artigos nos periódicos listados no Current Contents. Ou seja, o Brasil não tinha ciência séria. Tão definitivo quanto isso.

Em fins desta mesma década, duas providências começam a tomar corpo. Em primeiro lugar, define-se o marco legal da pós-graduação. Em retrospecto, o atraso brasileiro foi altamente benéfico, pois levou a uma modelagem do seu sistema à imagem do americano. Tivesse se movido antes, teria imitado o sistema europeu, mais artesanal e totalmente inadequado para lidar com grandes números. Tanto é assim que, ao longo do tempo, os modelos da Europa não fazem senão aproximar-se dos americanos.

Em segundo lugar, inicia-se um ciclo de envio de graduados para fazer seus mestrados e doutoramentos no exterior. Graças à presença da Ford Foundation e da Rockefeller Foundation, foi primoroso o sistema de seleção, envio de bolsistas e escolha da universidade de destino. Tal início virtuoso é retomado, nos mesmos moldes, pela USAID e, mais adiante, por CAPES e CNPq.

Ao início dos anos setenta, começa a volta dos mestres e doutores e a criação dos programas brasileiros que os abrigariam. As primeiras levas de pós-graduados vêm dos Estados Unidos e se sentem perfeitamente à vontade no sistema que estava sendo criado.

Sobretudo sob a liderança da CAPES, cria-se um mecanismo de avaliação, cujas consequências são impossíveis de subestimar. Ainda na década de setenta, toma corpo um sistema de avaliação dos programas de mestrado e doutoramento, fortemente baseado no volume de publicações. E com base nas notas obtidas, determinava-se o número de bolsas que disporia cada programa. Isso permite aos melhores atrair bons alunos e tornar-se mais competitivos nas propostas de financiamento de pesquisas. E, obviamente, quem consegue mais fundos tem mais chances de publicar mais.

Criou-se assim o círculo virtuoso da qualidade. Esta, medida pela avaliação, distribui os recursos que permitem ganhar mais bolsas e publicar mais, o que melhora a avaliação.

A continuidade desse mecanismo permitiu ao Brasil sair de zero publicações e tornar-se o 14º maior produtor de pesquisas publicadas nos periódicos indexados. De fato, publica mais da metade da pesquisa latino-americana.

Pesquisadores brasileiros questionam, ad nauseam, a qualidade desta pesquisa. Grosso modo, os indicadores de citações das pesquisas brasileiras estão próximos à média mundial. São parecidos com os da Índia, que iniciou sua pesquisa algumas gerações antes do Brasil.

Esses resultados são não mais do que a matéria prima para tentar responder o que significa isso tudo em benefícios para a sociedade. Afinal, ninguém come pesquisa e nem pode ser usada nas caldeiras das fábricas.

Pesquisa em si, não serve para nada, do ponto de vista do bem-estar da sociedade. Serve quando se metamorfoseia em tecnologia e inovação.  Aqui desabamos em outra controvérsia belicosa. Tanta pesquisa! Mas e a tecnologia? Há próximo de cem publicações para cada patente!

Mas há que se reconhecer, transformar ciência em tecnologia é o mais difícil dos desafios. Estados Unidos, Alemanha e Japão são excepcionais nesse mister. Mas mesmo Inglaterra e Rússia não conseguem as mesmas proezas. Ou seja, nossas estatísticas não estão longe da desproporção encontrada também nos padrões mundiais.

Não são poucos os que lamentam o desperdício de recursos para produzir muitas pesquisas que para nada servem – de fato, isso acontece com uma parte delas. Mas o país não está sozinho nesse particular.

Uma fórmula imperfeita mais muito sugestiva é identificar setores em que houve indisputável êxito econômico, resultante da pesquisa e inovação. Se permitem justificar os gastos na pesquisa restrita a estes mesmos setores, há pouco que se pode concluir. Mas se geram resultados econômicos que vão mais além, podemos tirar conclusões mais ambiciosas.

Tomemos dois exemplos bem conhecidos e cujos números estão imediatamente disponíveis:  A Embraer e a Embrapa.

O faturamento dos aviões da EMBRAER, em um só ano, gera recursos que permitiriam ao ITA operar por 102 anos. E foi nessa escola de engenharia que se gestou esta empresa.

Na década de 70, o Brasil importava mais de 30% dos alimentos consumidos. Nessa época, foi criada a EMBRAPA, que contrata hoje 1000 mestres e 2500 Ph.Ds. Além disso, mobiliza e financia uma boa meia dúzia de escolas de agronomia. Sua missão, desde o princípio, foi criar uma agricultura tropical eficiente, o que não existia antes em qualquer país do mundo.

Graças aos avanços técnicos gerados nestas parcerias, o Brasil tornou-se o segundo maior exportador de alimentos em todos o mundo. E sem os avanços da EMBRAPA e suas instituições associadas, isso seria totalmente impossível.

Para ilustrar, no ano de 2018, as exportações do agronegócio, atingiram 100 bilhões de dólares. Nesse período, o orçamento global das universidades federais foi de 37 bilhões de dólares.  Ou seja, os produtos agropecuários viabilizados pelo complexo universidades/Embrapa geraram quase três vezes o orçamento das cem universidades federais. Comparado com o seu orçamento anual, de 3,6 bilhões de reais, a Embrapa custa menos de 1% do que trazem as receitas de exportação no mesmo ano. E não nos esqueçamos do baixo custos dos alimentos dentro do país.

Com certa segurança, podemos afirmar que o investimento em formar mestres e doutores e financiar pesquisas, nos dois casos, parece gerar resultados que superam tudo que se gasta em pesquisa e inovação, em todas os outros setores.  Ou seja, mesmo supondo que rigorosamente nada de bom foi gerado em outras áreas da ciência e tecnologia, os resultados dos dois casos mais do que superaram os gastos totais.

Sabemos que há acertos e erros nesses outros setores. A própria EMBRAPA vem sendo criticada em anos recentes. E não há quaisquer razões para uma atitude complacente no caso a caso. Mas a aritmética é inexorável. O Brasil obteve mais do que gastou em ciência e tecnologia.

Mas há o outro aspecto a considerar: a formação de lideranças.

No pós-guerra, emergiu uma forte crença na necessidade de formar elites, para que pudessem conduzir o país com mais segurança e mais profissionalismo. Esta era uma posição defendida por muitos, em um momento de fervoroso “desenvolvimentismo”.

Talvez, influenciados por estas ideias, ganha corpo e força política o plano de criar uma pós-graduação robusta e enviar para o exterior aqueles que se tornariam os futuros professores das universidades brasileiras.

Isso, de fato, aconteceu. Nos dias que correm, sem um doutorado, é virtualmente impossível conseguir uma posição docente nas universidades públicas.

Produzindo hoje acima de 13 mil doutores por ano, progressivamente, essa abundância de pós-graduados começa a emigrar das universidades para posições de liderança nos governos centrais.

No Chile, os graduados da Universidade de Chicago moldaram, com mão forte, as políticas econômicas e as instituições. Em retrospecto, não cabem dúvidas de que este país se beneficiou muito dessa ortodoxia, por dura que tenha sido a sua implementação.

Como dito acima, a existência de profissionais muito bem formados parece ter tido forte impacto.

No Brasil, começando no Planejamento, há uma capilaridade progressiva dos mestres e doutores para outros ministérios e, mais adiante, para os Estados. Sem dúvidas, a sua presença foi responsável por uma modernização muito considerável da máquina pública. O mesmo aconteceu na Colômbia e em outros países.

Isso não deve causar surpresa. Mas o nexo entre o diploma e o que fazem no governo é muito tênue. Em um país sem universidades de elite – que oferecessem uma formação de excelência para os futuros líderes do país – a pós-graduação passou a exercer esse papel. Comparado com países como França ou Estados Unidos, é superior no Brasil a proporção de posições de primeiro escalão (ministros e secretários) ocupadas por mestres e doutores. Ou seja, se não há uma graduação tão boa como Harvard ou Cambridge, que seja no doutoramento que se fabriquem as elites políticas e administrativas. Em tudo por tudo, não é um papel menos nobre ou relevante.

Como os cursos de graduação que, com sua expansão, deixam de ser profissionalizantes, com os doutorados aconteceu o mesmo. Apesar do caráter altamente especializado, sobretudo das teses, se convertem em cursos de formação geral para aqueles que vão tripular ministérios, em funções totalmente distanciadas dos seus diplomas.

 

Modernidade, conservadorismo e ideologia

Nesta seção, tratamos de dois problemas diferentes, mas de mesma origem. Em primeiro lugar, a forte presença de preocupações e ativismo de cunho ideológico deu às universidades latino-americanas um papel que não tiveram antes em outros continentes. Em 1965, quando Berkeley entra por esse caminho, já fazia tempo que as nossas universidades estavam profundamente imbricadas em cruzadas políticas e ideológicas. Quando lá cheguei, nesse mesmo ano, fui invadido pela sensação de déja vue.

Em segundo lugar, esse mesmo fermento ideológico constitui-se em um fator retrógrado que freia ou impede mudanças internas na própria universidade. Isso não é um fenômeno único no mundo. Mas na América Latina, é mais exacerbado. Para ficar apenas no Brasil, os processos burocráticos internos são lentos ao extremo. Compras, vendas, pagamentos e recebimentos exigem procedimentos impossíveis. Para que se efetive a pesquisa, é mais do que comum a criação de fundações de direito privado, dentro das próprias universidades públicas, para que se ocupem desses assuntos

Por estas e outras razões, as universidades públicas do Brasil são caras e ineficientes. Aos dirigentes falta poder e instrumentos para implementar as decisões, mesmo as mais corriqueiras.

Em suma, elas têm sido revolucionária portas afora e reacionárias portas adentro. Exploremos em mais detalhe esse mundo do ativismo e da ideologia.

 

Uma longa tradição de ativismo político

No pós-guerra, põem-se em marcha grandes movimentos reivindicatórios nos países da periferia. Na África, é o momento das guerras de independência.

Nas Américas, esta página já havia sido virada. Estava vencida a etapa na qual algum burocrata no Quai D’Orsay dava ordens para as colônias. Esta bandeira é substituída pela chamada Teoria da Dependência, mostrando que havia se tornado mais sutil e insidiosa a colonização, pois era intelectual. As novas ideias continuavam vindo da “Metrópole”.

Esta percepção é compatível com qualquer ideologia política ou econômica, mas foi perfilhada pelas esquerdas – o que quer que esse nome signifique. No plano político, Fernando Henrique Cardoso se torna o grande ícone desta cruzada. No plano econômico, a CEPAL, liderada por argentinos e uruguaios (Prebisch e Iglesias) lideram o pensamento, com seu estruturalismo (em oposição ao monetarismo) e a tese da deterioração dos termos de troca.

Pode-se dizer, este par de ideias teve grande ressonância em todos os países da região – óbvio, em uns mais que em outros. Fixemo-nos no Brasil, pela nacionalidade do presente autor.

Nos anos cinquenta, tais percepções começavam a borbulhar nas universidades. Mas de seus muros extrapolavam pouco. E dada a fraca massa crítica de gente bem-preparada, nesta época, pouco de novo ou melhor se inventou. Mas embarcaram as áreas sociais em infindáveis discussões sobre os mesmos dois temas. No processo, a esquerda se fraciona em uma multiplicidade de grupelhos: JUC, AP, PCB, POLOP e muitos outros.

Na direita, praticamente não acontece nada, exceto o ridículo movimento da Tradição, Família e Propriedade, patrocinado pelas alas conservadoras da Igreja. Eram jovens de classe média ou alta, assustados com o perigo comunista e discutindo temas esdrúxulos. Por exemplo: é correto que o Estado desaproprie terras ou prédios, quando há um verdadeiro interesse social? A resposta enlatada era um enfático não.  Na ordem geral das coisas, a TFP era mais um rescaldo medieval do que uma força política. Desde então, a direita se torna silenciosa dentro das universidades – e em grande boa medida, fora também. Com o trocadilho proposital, é gauche ser de direita

Na ausência de outras alas da sociedade discutindo seriamente temas sociais, as universidades tiveram um protagonismo indisputado em trazê-los para o primeiro plano. Se esposavam teses razoáveis é outro assunto. Em retrospecto, erraram e acertaram. Mas não se lhes pode tirar o mérito de movimentar as cabeças e os corpos em torno de temas candentes, sobretudo, em uma sociedade pouco educada e apática.

Vendo de outra forma, as universidades agiram como o superego da sociedade. Livres, sem peias, sem medos e sem temerem consequências, tentaram combater o que viam como errado e festejar o que parecia certo.

Progressivamente, com a entrada em cena de Fidel Castro, os movimentos universitários saem dos muros das universidades e vão para as ruas. Se era possível em Cuba… O triste confronto dos estudantes mexicanos com a polícia, resultando em dúzias de mortos, é o exemplo mais exacerbado dos conflitos que se armavam.

Como dito, progressivamente, a direita encolhe e deixa de ser um contraponto para o avanço impetuoso dos muitos movimentos de esquerda. Por razões que merecem ser examinadas, até os anos recentes, a direita tornou-se muda.

Com a emergência de regimes militares, em muitos países, as confrontações adquirem mais foco. Eram os estudantes, idealistas e de esquerda, lutando contra os militares opressores. No caso brasileiro, em 1964, toma o poder um governo militar.  Em paralelo à passividade da sociedade, há uma progressão dos protestos estudantis, de palavras para pancadarias nas ruas.

Vale lembrar uma ironia desses movimentos. Marx pregava a luta armada do proletariado contra a burguesia. Foi exatamente isso que aconteceu, mas com sinal trocado. O proletariado eram os soldados e policiais, disciplinados e tentando conter as manifestações. A burguesia eram os universitários de classe alta e frequentando as universidades mais elitizadas. Note-se que, à época, em um país com cem milhões de almas, todos os universitários não passavam de cem mil. E participavam dos movimentos de rua  apenas um punhadinho, oriundos das universidades mais elitizadas. Em vez do proletariado investir contra as elites, os alunos burgueses iniciam os protestos que terminam em batalhas campais, com o proletariado em uniforme e defendendo o sistema.

Nesses anos, o país crescia com as taxas mais elevadas do mundo. Em várias ocasiões, eram superiores a 10%. Diante da prosperidade crescente, a população não se comovia muito com tais movimentos. Talvez isso tenha levado à decisão de alguns grupos para ir á luta armada. Assaltos a bancos – para financiar os movimentos – começam a se tornar mais frequentes. Alguns poucos grupos se refugiam em regiões remotas. Provavelmente, sonhavam com um desfecho semelhante ao da Sierra Maestra (Cuba).

A estratégia das forças de segurança foi utilizar técnicas de interrogatórios cada vez mais sofisticadas (leia-se brutais), visando identificar os participantes e desbaratar a sua organização. Graças à eficiência da repressão, tais movimentos não se alastraram. Pelo contrário, definharam. Na verdade, numericamente, sempre foram muito pequenos. Ainda assim a oposição ao governo continuou, com mais palavras e menos ações.

Temos aqui uma situação algo paradoxal. A esquerda radical vociferava contra um sistema que havia drasticamente modernizado o país, trazia grande prosperidade e promoveu o crescimento das universidades a um ritmo desconhecido até então. Mais ainda, promoveu a criação de mestrados e doutorados em todas as áreas, incluindo as consideradas “perigosas” (economia, sociologia, antropologia, filosofia etc.). Foi nessa época que a produção científica deu seu grande salto.

Mais uma vez, o epicentro de todos os protestos sempre esteve nas melhores universidades. Para o bem ou para o mal, o grande protagonismo político desses movimentos se originava em organizações que atraiam as elites intelectuais do país.

Os movimentos operários aparecem muito mais tarde e com uma agenda tradicional de usar greves para reivindicar melhorias salariais.

Passados quatro decênios, os movimentos oriundos das universidades mudaram pouco a sua agenda. Continuam presos a um passado que já deveria haver sido enterrado, há muito tempo. Por que não relembrar Raymond Aron? Se para Marx a religião era o ópio do povo, o marxismo continuava sendo o ópio dos intelectuais (Esse era o título do seu livro, do início dos anos 60). Com as exceções bem-vindas, tornou-se uma esquerda obsoleta, negativista e ranheta – com birras até contra o eurocomunismo.

Faz pouco, em meio à grande turbulência na sociedade, a UFMG anunciou pomposamente o 40º aniversário da sua decisão de protestar contra o regime militar. É difícil entender, mas dá a impressão de um movimento de índole utópica e nostálgica. Está disseminado em quase todas as universidades públicas, mas, certamente, carece de uma agenda positiva.  

Ao tomar o poder, com a eleição do Presidente Lula, a esquerda adotou uma agenda clássica de direita, com toques de welfare state. Mais adiante, meteu-se os pés pelas mãos na economia, comprometendo os ganhos sociais antes obtidos.

Em suma, desde o pós-guerra, as grandes universidades tiveram um protagonismo político e ideológico que, muitas vezes, faltou à sociedade. Em retrospecto, esse ativismo político defendeu ideias nobres, ideias tolas e ideias atrasadas. Progressivamente, a polarização esquerda-direita deu lugar a um pluralismo estritamente dentro das esquerdas. Pelo menos dentro das universidades, a direita se apagou.

 

Ideologia e mudanças nas universidades

A Universidade de Paris foi criada lá pelo século XIII, sendo uma das primeiras. Com os judeus trazendo as ideias de Aristóteles, que haviam traduzido do árabe, cria-se uma grande heresia. Tão grave que a jovem universidade foi fechada por um par de anos. Ou seja, é turbulenta desde o princípio a convivência de ideias “revolucionárias” com o funcionamento das universidades.

Em maio de 1968, os estudantes franceses protestaram contra uma universidade que havia se tornado obsoleta. Mas a despeito de toda a convulsão, ainda não se materializou a reforma reivindicada.

Quadro semelhante pode ser observado na UBA (Universidad de Buenos Aires), na Universidad de la República (Uruguai) e na UNAM (Universidad Autónoma de México). São instituições que, a despeito da excelência de muitos dos seus quadros, tem governanças mal resolvidas e grupos fortes refratários às mudanças.

No Brasil, não é diferente. Com o sistema duvidoso de eleição de reitores, os quadros administrativos são escolhidos seguindo linhas partidárias. E, não por acaso, são praticamente todos de partidos de esquerda – uns mais, outros menos radicais.

É interessante observar uma mudança do centro de gravidade do ativismo político. Na década de cinquenta, eram os alunos que se organizavam e protestavam. Mas progressivamente, passam a ser os professores que ganham a liderança nesses movimentos.

Podemos discutir ou discordar das temáticas dos grupos de esquerda durante o governo militar. Mas a oposição maciça a todas as iniciativas de modernização das universidades públicas não parece admitir o mesmo relativismo – pelo menos para esse autor. De fato, se as regras vigentes andam na contramão daquelas que prevalecem nas melhores universidades do mundo, é difícil justificar a oposição sistemática às mudanças. Como norma, os quadros administrativos, os sindicatos e as associações docentes são contra avaliar alunos, avaliar professores, o princípio da meritocracia, a flexibilidade e autonomia orçamentária e as aproximações ao setor produtivo. Eficiência e produtividade são termos satânicos.

O mesmo fervor revolucionário e modernizante, pregado para a sociedade, não se materializa dentro delas. Esses grupos se opõem às regras comuns e correntes naquelas universidades que se destacam pela sua excelência na pesquisa e ensino.

Vale mencionar o contraste entre graduação e pós-graduação. Mestrados, doutorados e pesquisa são governados por fundos competitivos, quotas de bolsas e avaliação severa de todos os grupos. Sendo assim, escapam da considerável ingovernabilidade que penaliza a graduação.

As universidades públicas tiveram e têm um protagonismo extramuros que não permite uma avaliação unívoca. Agem como o superego da sociedade, denunciando equívocos e problemas no seu funcionamento. Isso é mais do que bem-vindo.

Mas como os superegos dos humanos, esses movimentos políticos se apoiam em julgamentos que tanto podem estar certos como errados. Lutar contra a censura é uma causa nobre. Mas o movimento “Fora Acordo MEC/USAID” se rebelava contra uma iniciativa que foi fundamental para definir as regras da pós-graduação. E graças a sua implementação, em pouco tempo, o Brasil passa a publicar mais da metade da ciência latino-americana. Ou seja, o superego também erra.

Para fora, as universidades esposam temas nobres e isso não pode ser desmerecido. Mas, também, defendem teses atrasadas e nocivas. Para dentro, persiste um ativismo feroz, travando as mudanças que são requeridas para acompanhar as boas práticas das melhores universidades do globo.

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